sábado, 1 de setembro de 2018

Alguma prece


Tão menos vergonhosa é a nudez
desta língua que é vossa e não é minha
agora que o mistério se perfez
na solene e mesquinha

decisão de casar as mãos crispadas.
Agora, que nem sei se vos procuro,
vindes (ou eu que sinto, entre outros nadas,
saudade do futuro?)

Lambo os dedos e as velas, uma a uma,
as mãos em vossa espera sotopostas
— Agora somos só nós dois, Pergunta
de todas as respostas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Soneto 130 de Shakespeare.



CXXX

My mistress’ eyes are nothing like the sun;
Coral is far more red than her lips’ red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.

I have seen roses damasked, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.

I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go;
My mistress when she walks treads on the ground.

And yet, by heaven, I think my love as rare
As any she belied with false compare.



130

São seus olhos da luz do sol alheios;
Seus lábios, que o coral bem menos rubros;
Se alva é a neve, pardos são seus seios;
Se fios cabelos, negros fios descubro-os;

Vejo alvas, rubras, damascadas rosas,
Mas rosa alguma em sua tez se acende;
Certas fragrâncias são mais deleitosas
Que o hálito que dela se desprende;

Amo ouvi-la falar, porém bem sei
Mais aprazível ser qualquer canção;
Deusa que andasse, nunca divisei;
Ela, ao passar, detém os pés no chão.

E, no entanto, por Deus, acho-a tão rara
Quanto aquela que a enganos se compara.

domingo, 19 de agosto de 2018


A dissonância fermata
onde o silêncio
começa

— Até as nuvens
aqui
têm pressa

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Em ocasião do dia dos pais


Quando a primeira vez o teu caderno
De sonetos abri, meu pai amado,
Pude ouvir o teu canto levantado
Como catorze braços para o Eterno;

E, outrora tão lacônico e sagrado
(Pois na quietude dá-se o amor paterno),
Tão mais humano fez-se, tão mais terno,
O homem que o lia, tímido, ao meu lado.

Tu me ensinaste o verso e, nele, a vida,
A paixão sufocada e a prece muda,
A acre esperança e a lágrima contida.

Tu me tornaste, pai, quem sou agora:
Esta voz que em silêncio se desnuda
Para aplacar um coração que chora.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

O OVO; O VOO



terça-feira, 10 de julho de 2018

Um soneto de Théophile Gautier


segunda-feira, 28 de maio de 2018


Minha voz, tão leve e rouca,
se de voz posso chamá-la,
minha voz não fala:
caminha.

Minha voz, tão breve e pouca,
sem potência nem compasso,
treme sobre o traço
da linha.

Minha voz sem verve, coxa,
ante o coro não se espanta:
cala; escuta; e canta,
sozinha,

dos pulmões ao céu da boca,
todo um infinito mudo.
Nada é, contudo
é minha.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Um soneto de Olavo Bilac para o inglês.




Exercitando a via contrária da tradução, verti o soneto "Língua Portuguesa", de Olavo Bilac, para o inglês. Uma boa maneira de aguçar a sensibilidade ao outro idioma, na maioria das vezes de partida e não de chegada. 
Traduzi os decassílabos em pentâmetros iâmbicos, mantendo um esquema de rimas próximo do original, embora, infelizmente, não tenha conseguido preservar as mesmas rimas nos dois quartetos. Ainda me sinto um brutamontes manejando o inglês, mas de um modo geral o resultado me agradou, e espero que também ao leitor mais sensível às nuances da língua inglesa. 



LÍNGUA PORTUGUESA

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


***

Last flower of the Latium, wild and sweet,
Thou art, at once, both sepulture and splendour:
Hidden in slag, a gold of native grandeur,
Which crude mines veil among the muddy grit...

I love thee as thou art: obscure, unknown,
O tuba of roaring clanks, O lyre warm,
Who hast the hiss and rumble of the storm,
And so the lull of tender things long gone!

I love thy wild luxuriance and thy scent
Of oceans deep and uninvaded isles!
I love thee, Tongue of bruteness and lament,

In which I heard from mother's lips: "my son!",
In which Camões once mourned, through dark exiles,
His wretched fate and heart that never sung!

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018


Rio no azul —
       (a loba uiva
                     :
                 viu a bola)
                     — luz ao noir.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

"Os Gatos", de Charles Baudelaire.



LES CHATS

Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux sont frileux et comme eux sédentaires.

Amis de la science et de la volupté,
Ils cherchent le silence et l'horreur des ténèbres;
L'Erèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.

Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx allongés au fond des solitudes,
Qui semblent s'endormir dans un rêve sans fin;

Leurs reins féconds sont pleins d'étincelles magiques,
Et des parcelles d'or, ainsi qu'un sable fin,
Etoilent vaguement leurs prunelles mystiques.



OS GATOS

Os férvidos de amor e os sábios rigorosos,
Chegada a madureza, hão de igualmente amar
Os gatos, fera e doce ostentação do lar,
Que, tal qual, sentem frio e são, tal qual, ociosos.

Amigos da ciência e irmãos da languidez,
Perscrutam o silêncio e os noturnos mistérios;
O Érebo os suporia os seus corcéis funéreos,
Pudera a obediência impor-lhes à altivez.

Seu meditar profundo o nobre aspecto cinge
De alguma solitária e majestosa esfinge
Que repousa embalada em um sonho imortal;

Transbordam de seus rins fantásticas cintilas,
E, astros ou grãos de areia, ouro de um primor tal
Vagamente reluz nas místicas pupilas.



terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Soneto LV: o "Exegi Monumentum" de Shakespeare.